Para Mário de Andrade
O sol lhe bate de chapa
De um besouro o brilho escapa
Branco, negro, ouro e mel.
Rola, recua e se atira
Volta, se encolhe e se estira
O dorso da cascavel.
O corpo inteiro palpita
A pele se arruga e agita,
A língua fina dardeia.
E treme e estorce e avança
E estaca, e demora, e cansa
Ondula, vaga, volteia.
Silva, ronca, bufa e soa
O maracá que reboa
E tudo dança no pó.
Alonga a beleza tosca
Da pele que vai e enrosca
E fica tremendo só...
O dorso acurva, se enrola
Como o fio de uma mola.
Incha, sopra, engorda, cresce,
Sobe, pára, volta e corre
O brilho no lombo escorre
Vibra, estaca, espicha, desce...
Vai parando o movimento
O maracá cede ao vento
E fica soando mal.
De pronto sacode o laço
Como uma mola de aço
Subindo numa espiral.
Inda vibra, mexe e bole
O corpo anegrado e mole
Sustém o compasso enfim.
Cede a cadência da dança
Pára o chocalho, descansa
E tudo cessa por fim.
Para Ribeiro Couto
Subiu a toada
Dos negros mocambos.
Saiu a mandinga
De pretos retintos
Vestidos de ganga.
Quilengue, Loanda,
Basuto e Marvanda
Fazendo munganga.
Tentando chamego
Cantando a Xangô.
Escudos de couro
Pandeiros, ingonos,
Batuques e dança...
Palhoças pontudas
Com ferros na lança.
Terreiros compridos
De barro batido.
Cantigas e guerras
Com sobas distantes...
Caçada ao leão.
Caninga de choro
Zoada de grilo.
Campina de cana
Com água tranqüila...
A voz do feitor.
Mucamas cafuzas
Moleques zarombos...
Na noite retinta
A toada subia
Dos negros mocambos.
Mapas de Cantino, Waldseemuller, Krunstmann
Desenho velho de canibais e feras.
Brasil! Terra dos Papagaios...
Insula flexível emergindo de cosmógrafos atônitos
Se estirando larga-escura n’água azul...
Bojo gemente de caravelas que o vento enfuna amplo velame
E a Cruz de Cristo sangrando na vela-grande.
Barbudos soldadões que viram Prestes João
Na linha interminável do Mar longo...
... Viola, cantiga, folhagem boiando...
Suja espuma babando a sombra do Monte
... Jarretes velozes voando no dorso da areia
Da praia praiana chã e mui formosa.
Cruzeiro de pau na terra selvagem
Cruzinha de chumbo no índio curvado.
Brasil de Madrugada
Com flechas, botoques, inúbias, cocares,
Dançando, correndo, fugindo, voltando.
Papel amarelo coberto de letras:
“Serenissimi Emmanuelius Regis
Portugaliae Algarbiorum citra et ultra mare
In Africa dominus Guinae”.
Os olhos de Collen Moore
Olhos de jabuticaba
Grandes, redondos, pretinhos...
Mas porém
São olhos de americano,
Meu bem!
Eu sempre prefiro os seus.
Meu bem!
Olhos de ver no cinema,
Só lembra a gente espiando
E depois é se esquecendo,
Meu bem!
Eu sempre prefiro os seus,
Meu bem!
Olho de gente bem branca
Que não mora no Brasil
Fala fala atrapalhada
Meu bem!
É olho de terra boa
Mas porém
Eu sempre prefiro os seus,
Meu bem!
Para Maria Luíza Filgueira
Foi o destino quem quis
Dar-te ares de Duquesa,
Dois olhinhos de turquesa,
E nome de Imperatriz!
Olhar que voa cantando
Um coração quando passa...
Dentro das veias, vibrando,
Bom sangue de velha Raça!
Prá explicar-te a frase cai
Sem que a razão acompanhe:
Se o fino encanto do Pai
Se o claro espírito da Mãe!...
Mas, pensando em tua graça,
Que o alto céu apontou,
Eu sei que nela perpassa
A velha verve do avô...
Talvez a Sorte decida,
Num bom dia que verei:
Tu ires fazer a vida,
De quem tem nome de Rei!...
Natal, 23.03.1933.
(Com direito d prioridade em verso ruim)
Poema coletado com Álvaro Alberto Filgueira Barreto.
Para Joaquim Inojosa
Deixa, meu fino lírio japonês
Que o vento ulule fora da vidraça
Tens o corpo sonoro de uma taça
E o teu quimono
Que envolve tua cinta esguia e fina
Dá-te um ar de princesa de neblina
Num castelo de outono...
Bem vês
Que o vento ulula fora da vidraça
E a chuva passa
Para ver-te, meu lírio japonês...
(Jornal do Comércio – Recife – 13/09/1925)
Não gosto de sertão verde,
Sertão de violeiro e de açude cheio,
Sertão de rio descendo,
l
e
n
t
o
largo, limpo.
Sertão de sambas na latada,
harmônio, bailes e algodão,
Sertão de canjica e de fogueira
Capelinha de melão é de S. João,
Sertão de poço da ingazeira
onde a piranha rosna feito cachorro
e a tainha sombreia de negro n’água quieta,
onde as moças se despem
d
e
v
a
g
a
r.
Prefiro o sertão vermelho, bruto, bravo,
com o couro da terra furado pelos serrotes
hirtos, altos, secos, híspidos
e a terra é cinza poalhando um sol de cobre
e uma luz oleosa e mole
e
s
c
o
r
r
e
como óleo amarelo de lâmpada de igreja.
Tarde morrendo em vermelho
e o ouro
do Sol se refletindo no espelho
do açude.
A estrada é branca antes que a noite a mude.
Entre nuvens de poeira
surge o vaqueiro vestido de couro.
E o vento leva longe toda a poeira.
E o vaqueiro passou correndo, correndo...
Há somente a tarde morrendo
no vermelho
espelho
do açude...
Poema remetido pelo autor em 04/09/1925 para o escritor Mário de Andrade.
Tardinha, tardinha
serenamente
cai a sombra do alto
céu azul.
Água quieta, água quieta,
e a longa sombra do arvoredo n’água
da lagoa...
E o sossego nos capoeirões.
E o aboio no ar...
Tardinha, tardinha
No silêncio, o grito
das seriemas fugindo...
E no galho escuro da oiticica
sinistra, solitária, branca,
a Mãe-da-Lua canta...
Poema remetido pelo autor em 04/09/1925 para o escritor Mário de Andrade.
O chão é seco e vermelho, é vermelho
o caminho entre o amarelo do panasco.
As pedras brancas vão surgindo como frades
de pedra-branca na vermelha estrada.
Sol de chapa!
No horizonte azul que doe nos olhos
os cardeiros abrem as mãos
verdes, verdes, verdes...
Há uma transparência pelo ar
que treme, treme e, na poeira fina
e cinzenta, voam folhas secas
pelo ar...
Poema remetido pelo autor em 04/09/1925 para o escritor Mário de Andrade.
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